sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

texto do Álvaro Moreira... curtam esse espetacular texto...

Cuidado!
Álvaro Moreyra, 1923

Oh! O meu pavor dos pessimistas! Eles são mais nefastos, fazem um mal muito maior do que o éter, a cocaína, a morfina, o ópio e outros venenos cenográficos perseguidos pela polícia.
Contra eles é que se devia abrir uma campanha sem pausa. Há milhares por aí, nas esquinas, nas livrarias, nos cafés, nos bondes, em toda parte. De olhar feroz, boca espichada, vão chamando e espalhando fluidos ruins pela cidade. Conheço de fama alguns. Muitos, de vista. E, infelizmente, um, de fama, de vista e de ouvido. Aparece, de quando em quando. Abre a porta, dá comigo, grita: “Ah!” No grito põe o espanto desapontado de me encontrar com saúde e contente. É incapaz de pronunciar: bom dia, ou boa tarde, ou boa noite. Firme no seu mau humor intransigente, se pudesse, cumprimentaria assim: “Horrível dia, horrível tarde, horrível noite”, como não pode, por um resto de pudor, resume tudo no “ah!” escandalizado. Depois, atira o corpo, como um suspiro, sobre a poltrona e começa... descompõe o mundo inteiro. Ameaça. Inventa. Calunia. E quando percebe que eu estou suficientemente sucumbido, sai, grande, profético, abracadabrante. O dinheiro que esse homem tem me obrigado a gastar em alfazema!...

RESENDE, Beatriz. Cocaína: literatura e outros companheiros de ilusão. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2006.

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